UMA MEDIDA DE RECAPITALIZAÇÃO OU UMA FORMA DE APROPRIAÇÃO?
Uma pretensa medida de recapitalização:
Foi, recentemente, publicada a Lei n.º 7/2018, de 2 de março, que aprovou o novo “Regime Jurídico da Conversão de Créditos em Capital”.
Este novo regime – que terá plena aplicação a partir de 1 de julho de 2018 – está inserido no âmbito do Programa Capitalizar (programa estratégico do Executivo de apoio à capitalização das empresas e consequente retoma do investimento) e vem permitir a conversão em capital social dos créditos detidos sobre uma sociedade comercial ou sob a forma comercial, com sede em Portugal e cujo volume de negócios, tal como resultante das últimas contas de exercício devidamente aprovadas, seja igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros).
Concretizando, os credores cujos créditos constituam, no mínimo, 2/3 do total do passivo da sociedade e, bem assim, a maioria dos créditos não subordinados, podem propor a conversão dos seus créditos em capital social, desde que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes pressupostos:
- O capital próprio da sociedade, tal como resultante das últimas contas de exercício aprovadas ou, caso existam, de contas intercalares elaboradas pelo órgão de administração e aprovadas há menos de três meses, seja inferior ao capital social;
- Se encontrem em mora, superior a 90 dias, créditos não subordinados sobre a sociedade de valor superior a 10% do total de créditos não subordinados ou, caso estejam em causa prestações de reembolso parcial de capital ou juros, desde que estas respeitem a créditos não subordinados de valor superior a 25% do total de créditos não subordinados.
Tal proposta – de aumento do capital social por conversão de créditos – poderá prever, por exemplo, a prévia redução do capital social para cobertura de prejuízos, bem como a exclusão de todos os sócios, desde que as participações sociais seja destituídas de qualquer valor, e deverá ser acompanhada de um relatório elaborado por revisor oficial de contas ou contabilista certificado independente, que demonstre a verificação dos pressupostos referidos em 1. e 2.
Os sócios gozam sempre de direito de preferência no aumento de capital; neste caso, o aumento deve ser realizado em dinheiro e obrigatoriamente aplicado na amortização dos créditos que seriam convertidos em capital nos termos da proposta.
Recebida a sobredita proposta, os sócios dispõem de 60 (sessenta) dias para convocarem uma assembleia geral e, dentro deste prazo, deliberarem aprovar (ainda que com modificações) ou rejeitar a proposta em questão.
Na eventualidade de (i) a proposta ser recusada pelos sócios; (ii) a assembleia geral não logre concretizar-se no prazo de 60 (sessenta) dias ou (iii) as deliberações previstas na proposta não sejam aprovadas ou executadas no prazo de 90 (noventa) dias contados da receção da mesma, os credores proponentes podem requerer, junto do Tribunal competente para o respetivo processo de insolvência, o suprimento judicial da deliberação de conversão de créditos em capital e consequente alteração do pacto social, mediante sentença homologatória da referida proposta.
No prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença homologatória, os sócios podem adquirir ou fazer adquirir por terceiro por si indicado o capital da sociedade resultante da alteração, pelo respetivo valor nominal, desde que igualmente adquiram ou paguem na totalidade os créditos remanescentes sobre a sociedade, detidos pelos credores proponentes.
Se, entretanto, a sociedade for declarada insolvente antes de terminado o processo de conversão, caduca quer a proposta, quer os efeitos da eventual deliberação da assembleia geral que a aprovou/recusou e, bem assim, extingue-se o processo urgente de suprimento judicial de deliberação social que esteja pendente.
Uma potencial forma de apropriação:
Sem prejuízo de ser comumente apelidado de “novo” regime jurídico da conversão de créditos em capital, a verdade é que sempre foi possível um credor satisfazer os seus créditos sobre a sociedade devedora mediante a conversão daqueles em capital social desta última – cfr. artigo 198.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), que determina que, quando o devedor insolvente seja uma sociedade comercial, uma das medidas que poderá ser adotada pelo Plano de Insolvência, ou seja, pelos credores sociais será: “ (…) b) Um aumento do capital social, em dinheiro ou em espécie, a subscrever por terceiros ou por credores, nomeadamente mediante a conversão de créditos em participações sociais, com ou sem respeito pelo direito de preferência dos sócios legal ou estatutariamente previsto.”
A novidade associada a este Regime é que prevê uma conversão forçada pelo Tribunal, caso inexista acordo entre os credores e a sociedade quanto à realização da mesma.
Assim, pese embora o objetivo seja capitalizar as empresas, transformando a respetiva dívida em capital social, certo é que, caso estas não aceitem ser alvo de uma tal medida, podendo o Tribunal forçar a sua aplicação, abre-se uma verdadeira “caixa de pandora”, no sentido de que os credores (pense-se, por exemplo, nas Instituições de Crédito) poderão, num primeiro momento, apoderar-se das empresas e, depois, dos seus próprios ativos, forçando a sua liquidação.
Ou seja, no limite, as empresas, cuja recapitalização é o fim último do regime jurídico de conversão de créditos em capital, fruto da sua aplicação, poderão deixar de existir.
Catarina Monteiro Vitor