A Lei nº 8/2018, de 2 de março, veio instituir no nosso ordenamento jurídico o Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas, doravante designado por “RERE”.
A criação deste Regime, no âmbito do Programa Capitalizar, teve como objetivo estabelecer uma mudança de atitude no que respeita às empresas que se encontram em situação económica difícil, de forma a incentivar a tomada de medidas que evitem a efetiva situação de insolvência das mesmas, agindo mais cedo e privilegiando a sua recuperação.
O RERE é um regime totalmente livre, na medida em que são as partes que decidem livremente o conteúdo do acordo e se querem sujeitá-lo ou não àquele Regime.
Quem pode sujeitar-se a este regime são os devedores que, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, al. a) a h) do CIRE, possam ser objeto de processo de insolvência, com exceção das pessoas singulares que não sejam titulares de empresa, quando se encontrem em situação de insolvência iminente (artigo 3.º do CIRE) ou em situação económica difícil (artigo 17.º-B do CIRE).
A existência de um acordo de reestruturação pressupõe que tenha existido uma prévia negociação dos termos daquele. Neste sentido, o RERE divide-se em duas fases principais: o protocolo negocial e o acordo de restruturação.
PROTOCOLO NEGOCIAL
Caso as partes pretendam que as negociações destinadas a alcançar um acordo de reestruturação sejam submetidas ao RERE, devem os devedores e credores que representem pelo menos 15% do passivo daquele que, de acordo com o CIRE, seja considerado não subordinado, assinar um protocolo de negociação, cujo conteúdo é livremente estabelecido pelas partes, e depositá-lo na Conservatória de Registo Comercial. De forma a provar a verificação deste requisito deve ser anexo ao protocolo uma declaração de um contabilista certificado ou revisor oficial de contas emitida há 30 dias ou menos.
As partes podem optar por dar ou não publicidade ao processo de negociações, mas a Segurança Social, a Autoridade Tributária e os trabalhadores são obrigatoriamente informados do depósito do protocolo de negociação e do seu conteúdo, sempre que sejam titulares de créditos sobre o devedor, na medida em que participam obrigatoriamente nas negociações, mesmo que não subscrevam o Protocolo.
O depósito do Protocolo produz os seguintes efeitos:
- Em relação ao devedor, este deve manter o curso normal do seu negócio e não praticar atos de especial relevo, exceto se previstos no Protocolo ou se previamente autorizados por todos os credores, diretamente ou através do comité de credores.
- Em relação aos credores, estes não podem desvincular-se dos compromissos assumidos no Protocolo antes de decorrido o prazo máximo previsto para as negociações, e devem abster-se de praticar atos hostis, designadamente de intentar ações judiciais.
A participação no protocolo de negociação ou a adesão a este por credor que tenha requerido a insolvência do devedor determina a imediata suspensão do processo de insolvência, caso esta não tenha ainda sido declarada.
O encerramento das negociações, com menção da respetiva causa, está sujeito a registo pela Conservatória do Registo Comercial.
ACORDO DE RESTRUTURAÇÃO
O conteúdo do acordo de reestruturação é fixado livremente pelas partes, podendo compreender, designadamente, os termos da reestruturação da atividade económica do devedor, do seu passivo, da sua estrutura legal, dos novos financiamentos a conceder ao devedor e das novas garantias a prestar por este.
As partes têm também direito a optar pela publicidade ou não do acordo de reestruturação, devendo este ser depositado na Conservatória do Registo Comercial, iniciando a produção dos seus efeitos a partir dessa data.
Relativamente aos efeitos do acordo de reestruturação, há efeitos fiscais que assumem relevância nesta matéria, na medida em que confere às partes os benefícios previstos nos artigos 268.º a 270.º do CIRE, desde que compreenda a reestruturação de créditos correspondentes a, pelo menos, 30% do total do passivo não subordinado do devedor. Ainda que este não abranja a referida percentagem, a Autoridade Tributária pode, através de requerimento fundamentado, aceitar que o mesmo produza aqueles efeitos.
Por fim, é importante ressalvar que o acordo de reestruturação constitui título executivo relativamente às obrigações pecuniárias nele assumidas pelo devedor.
Rita C. Branquinho
Maria João Gonçalves